Friday, April 24, 2009

Mas que dia é hoje, hã?*

Senta-te aí que é capaz de ser longo…

Em vésperas da celebração da noite que mudou o meu país, foram anunciadas as medidas para fazer face à crise: 5% de corte temporário no salário (a serem repostos no 1st Janeiro, caso a empresa esteja bem) recompensados por 5 dias de férias pagas.

Se muda a minha vida? Não. Sinceramente, nem me importaria de, de uma forma permanente, fazer o trade-off de um corte de 5% salário por mais 5 dias de férias. O que me lixa e me provoca azia no estômago é ser tratada como estúpida e sentir que estão a ser condescentes com os mais de 48 000 funcionários da empresa e, também o princípio.

No primeiro e-mail enviado, fala-se em "manter a empresa forte". Esse é o objectivo. Justificações? Situação económica ao nível da Grande Depressão, redução dos gastos em IT a nível mundial, maus resultados no primeiro trimestre do ano (atenção que estes "maus resultados" resultam de não chegarmos ao target de crescimento de 6% face ao mesmo período o ano passado. É, no entanto, de lembrar que a empresa tem vindo a crescer a 2 dígitos há muito tempo, logo esperar-se 6% numa altura de crise, é, no mínimo surreal - desde Dez que sabíamos que seria impossível atingir). O que se consegue com esta medida (segundo os pensadores da empresa): salvar cerca de 2000 postos de trabalho e reduzir cerca de 100 milhões dólares este ano.

O e-mail acaba da seguinte maneira: "I’m charged up about our future and very proud of all of you."

A seguir vem o e-mail do chefe da EMEA: "I urge you to come together and stand behind our Leaders. Our solidarity, cohesiveness and trust in each other will enable us to surmount the current economic challenges. My management team and I will stay in close touch with you and provide regular updates on the company’s response to the global environment. My call to action is this: Let us stay focused on our customers, prospects and partners. Let us support each other and work together to help our global company thrive during this downturn. I have tremendous confidence in all of you and I have no doubt we will succeed. In fact, we will do it smarter, faster and together!"

A seguir ainda veio o de RH da EMEA e depois a apresentação com o chefe local (onde, inclusivamente foi dito que a empresa não negoceia com sindicatos (como se de terroristas se tratassem) e que é do nosso melhor interesse mantermo-nos afastados deles.

24 horas depois de digerir todas estas informações o que me apraz dizer?

Primeiro, que nos metam todos no mesmo barco (parte de gestão e meros empregados). Nós estamos em barcos separados a lutar por interesses diferentes: nós pela manutenção de regalias e eles pela maximização dos lucros. O big fish andar a dizer que é responsável pelo meu futuro?!! Desde quando e onde?! Nunca, em toda a História recente (pós Revolução Industrial) houve uma empresa multinacional que acordasse em mais regalias por ser "justo". Basta ler Charles Dickens para ter uma ideia de Inglaterra em meados do sec XIX, até à luta pelas 40 horas em todos os países Europeus. Dizerem-me que uma multinacional que factura 15 biliões ao ano está essencialmente preocupada com o meu futuro é anedótico. Eu acreditar… bem, na minha opinião, mais vale acreditar que um dia o Príncipe Encantado virá… bem mais realista.

Segundo, a falta de informação concreta. Esta medida foi anunciada como um pacote de outras de forma a atingirmos os 450 milhões de redução de gastos, sendo que em Janeiro, caso a empresa esteja bem os salários são repostos e cerca de 2000 postos de trabalho serão salvos. No entanto, o objectivo para 2010 de poupança de mais 500 milhões. Aonde é que estes 500 mil extra irão aparecer? E que 2000 postos de trabalho estarão em risco? E que garantias temos nós que estes 2000 trabalhos irão ser mantidos? E o que é isto de "a empresa estar bem"? É crescer 2% enquanto a indústria cresce a 1%? É voltar a crescer a 2 dígitos? E qual é a base de cálculos dos 5%? Porque não 4 ou 6? As respostas a tudo isto é: não sabemos. Por outras palavras, estamos a dar um cheque em branco à administração. Ou seja, estou a por o meu futuro nas mãos dos comedores de Big Macs.

Depois há a informação financeira… Pois é! Apesar de tudo ainda se tem uns não-sei-quantos biliões de cash-flow. E outra vez, a sentir-me tratada como estúpida: a situação financeira da empresa está assegurada. OK que há o risco de m&a de outro parceiro, também comedor de Big Macs que tem posto a família a passar fome para ter uns biliões no banco disponíveis para gastar no mercado e que está desejoso por por as patas aqui. No entanto, parece-me que estes 100 mil não farão a diferença e performance deles é bem pior do que a nossa, overall.

Terceiro, a reacção das pessoas. A maioria está agradecida por ainda ter trabalho. Hoje, quando comentávamos esta situação (e a minha equipa somos apenas 2 Europeias, o resto é tudo local) ao que referi basicamente os pontos acima, tive a seguinte reacção: "pelo menos ainda tenho emprego. Como é que podes fazer exigências dessas?" e acabou a dizer "estamos todos no mesmo barco. Se quiseres prescindes da pensão e mantens o mesmo salário que é o que vou fazer." (isto, porque, na Irlanda deram a opção de sair do fundo de pensões, para o qual contribuímos 5%; o que num país onde o consumo é desenfreado é algo inconsciente de fazer, mas enfim). Ao que eu respondi "e hipotecas o futuro?" ao que ela respondeu "I am only 32 anyway". Vale a pena referir que a rapariga que se saiu com este tipo de repostas, tem um master (ou seja, tem educação superior) e o contrato de trabalho expirou em fevereiro, ou seja, há quase 3 meses e até agora nada foi acordado. Significa, então, que pode ser mandada embora de um dia para o outro sem qualquer tipo de antecedência já que a lei irlandesa é muito dúbia em relação a trabalhores a contracto.

Também de referir que fui a única a responder "Não!". Quando o chefe disse "Are you ok with this?". Ao que se sentiu um silêncio de pânico na sala (não no chefe que concordou comigo, mas de pessoal no meu departamento). E expliquei-lhe o porquê. Ao que lhe disse também que o cv estava no mercado. Não porque queira sair mas porque não confio em empresas. E não confio que os 2 000 postos de trabalho esteja em salvo e não acredito que estejamos no mesmo barco.

Às vezes acho que a ignorância e o não querer saber deveria ser considerado crime. Pagar multa!

* retirado do texto FMI de José Mário Branco, ver aqui

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